quinta-feira

I). Conflito:
Embora todos os personagens tenham em comum a espera do reconhecimento (uns mais outros menos) de suas capacidades como escritores, é a solidão, escondida ou exposta no psiquê dos personagens que acaba sendo responsável pelas ações desenroladas e suas conseqüências.
J). O texto contém todos os ingredientes de um Conto.
K). Pontos particularmente bem realizados em termos de história e texto.
Entrelaçamento entre todos os personagens – escritores – e o próprio autor, que parece procurar resposta e con-solo para uma crise pessoal de criação.
...quando a pessoa escreve por muito tempo, acaba descobrindo um jeito de não parar. Quando se tem matu-ridade suficiente, acaba-se encontrando a maneira de trabalhar. (pág. 58)
2. A LINGUAGEM
A). Narrador:
O Conto é narrado na terceira pessoa por um narrador onisciente. Tem o foco narrativo em Mitka. O narrador conhece tudo sobre os personagens e enredo. “Sabe o que se passa no íntimo dos personagens, conhece suas emoções e pensamentos. O narrador "lê" os sentimentos, os desejos mais íntimos das personagens (aliás, o narrador vê o que ninguém tem condições de ver: o mundo interior do personagem), e sabe qual será a re-percussão desse ato no futuro”. (Lígia Leite)
B). Técnica narrativa usada:
Discurso Direto:
_Vamos nos ver novamente, Mitka
_melhor não.
_Por que não? (pág. 59)
Monólogo interior:
De vez em quando advertia a si mesmo: _ Mitka, você não pode passar o resto da vida assim. (pág. 57).
Mitka – O Camelo (pág.60); Mitka – O Mago.
... ...deixou o Mika solto e ele acaba por atrair a mãe de alguém. (pág.57)
...ora vejam só, mais uma velhinha a querer cuidar dele. (pág.57)
C). Adequação do tempo verbal: não há vacilações quanto ao tempo verbal da narração, há sim, total adequação. Pretérito Perfeito, “...ele releu” (pág. 45); Pretérito- mais–que- perfeito, inclusive composto “E assim Mitka permanecia sentado..” (pág. 45).
D). Há complexidade na questão das temporalidades? Temporalidade da narrativa e do narrado, tempo psicológico, (durée):
O tempo da literatura, não é o tempo cíclico dado pelas transformações da natureza, mas também não é o tempo histórico, com suas manifestações e contradições socioeconômicas e culturais. E tampouco o tempo dos sentimentos e afetos, o tempo interior que cada ser humano vivencia como seu. Articulado entre todos os tempos, o tempo da literatura se estende como um continuum arquitetado entre permanências e rupturas, construção e destruição, coexistência num presente sempre presentificado, no ontem, no agora, no depois, como cogita Santo Agostinho: "[...] é impróprio afirmar que os tempos são três: pretérito, presente e futuro. Mas talvez fosse próprio dizer que os tempos são três: presente das coisas passadas, presente das presentes, presente das futuras”. (Micheliny Verunschk)
“O leitor acessa essa máquina do tempo - um tempo que participa do impessoal e pessoal simultaneamente - e atravessa fronteiras montado no cavalo veloz da imaginação criativa. O leitor adapta o livro, o encaixa em seu próprio tempo. E quando isso acontece, ele pode dizer que o livro é bom, pois o livro e o leitor passam a ser um só, ocupando o mesmo espaço (imaginação) e o mesmo tempo (co-criação). E a literatura acontece, plenamente.”
E). Há variedade e precisão vocabular.
F). Clichês de palavras:
Tomada de uma súbita emoção. (pág.54)
Perfume penetrante. (pág.43)
G). Há ritmo na linguagem, melodia, musicalidade. A linguagem é simples, mas densa. Orações curtas em sua maior parte.
O texto constrói um significante alternando índices disfóricos e neutros.
H). Figuras de Construção:
...Mitka trabalhou em seu novo romance até desistir de ver o primeiro publicado. Ele releu o primeiro e o que havia restado do segundo. (pág.44) – Elipse
I). Figuras de Pensamento:
Ironia:
Mitka, O Mago; Mitka, o Camelo...; Oram vejam só...; -Madeleine? – Perguntou ele um tanto irônico; (Es-critor fere pássaro em pleno vôo. Como se não bastasse; Seu primeiro impulso foi fugir dali, procurar lá fora algum lugar que pudesse respirar, mas ela continuava a ler serenamente e ele ficou a olhá-la (a ardilosa percebia a presença do tigre na sala.); (“autor estéril procurando curar sua esterilidade através de intercurso epistolar com jovem escritora.”)
Paradoxo (?)
Sorriso triste. (pág.55);... O peso morto que era sua alma (pág.58).
J). Figuras de Palavras.
...meu escritor lá de cima – Antonomásia.
...Madeleine havia explodido em milhares de fragmentos, um meteoro... (pág.59) – Metáfora
Meu texto é um nevoeiro... (pág.58)- Metáfora
Branco esvoaçante
Corpinho de ampulheta; corpinho de sílfide; Comparação
Devorar a sopa; devorou o texto; o texto foi um soco em seu estomago; saltou da cama; o barril vomitava; centelha de idéias;... Olho de espiar por buracos de fechaduras... (pág.46).
Clímax: Encontro entre Mitka e Sra. Olga, na biblioteca, quando toda a crua realidade vem à tona.
Desfecho:
O protagonista, no decorrer de todo o conto, não revela como sobrevive. Revela que não possui um único cen-tavo (“mas aonde ir e o que fazer sem um centavo no bolso?”- pág. 50), não trabalha (... “tinha tempo de so-bra e nada para fazer.” Pág. 52) parecendo encontrar no relacionamento com a Sra. Lutz apenas uma saída frente a uma difícil situação, inclusive financeira. O final do conto é irônico e estranhamente feliz. Já conforma-do, “A Garota dos Sonhos” de Mitka poderia ser qualquer uma, inclusive a já conhecida Sra. Lutz, sua senho-ria, para quem ele acaba idealizando uma volta aos braços quando se imagina carregando-a no colo, toda de branco, tal uma noiva em uma noite de núpcias, para o seu quarto, onde os dois valsariam em seu quarto de es-critor. “Era primavera e a sensação de recomeço das coisas se apossou dele.” (pág.60)
Conclusão:
Nos contos de Malamud, o desfecho da história, delineado no decorrer de toda a trama, surpreende e mesmo quando é feliz, não é desprovido de angústia e nem deixa de revelar, sob o humor, a amargura de seus persona-gens. Refletindo sobre o título do Conto penso que “A Garota dos Sonhos”, para o homem, poderia ser como “O Livro dos Sonhos”, para o escritor. Ambos podem não existir, ou não existem, e na dor do reconhecimento desta verdade, o autor nos diz mais uma vez que a vida sobrepõe-se ao sonho, ao ideal, nos fazendo ficar, tam-bém na esfera da literatura, com o que nos é possível.
Como o próprio autor declarou em entrevista falando sobre sua dificuldade no ofício de escritor: “Chega um momento na vida de um homem em que ele tem de ir aonde ele deve ir – se não há portas ou janelas, o mí-nimo a fazer é atravessar paredes”.

01/10/2009 12:58 – Isabelle Fontrin

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