quinta-feira

Análise do Conto: "A GAROTA DOS MEUS SONHOS"

de Bernard Malamud - por Isabelle Fontrin
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1. A narração:
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A). Desenvolvimento da trama.
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O conto gira em torno de Mitka, jovem escritor que tenta sem sucesso a publicação de seu romance. Na cena inicial, este personagem põe fogo a sua primeira obra utilizando para tanto uma lata de lixo, no pátio da pensão onde reside, depois de perambular por mais de vinte editoras, durante um ano e meio e todas terem rejeitado seus escritos alegando “simbolismo obscuro”. (pág. 44)
Após este ato, Mitka, completamente em dúvida sobre sua capacidade como escritor, tranca-se em seu quarto saindo somente de madrugada para rápidas incursões à cozinha. Este isolamento, período de reflexão para o deprimido Mitka, só é vencido três meses após, devido à fome, que o tornou extremamente magro e aos persistentes esforços da proprietária da pensão, a viúva Sra. Lutz, que além de nutrir preferência sentimental por Mitka, também tem pretensões à escritora.
Na manhã em que Mitka rompe seu isolamento, após um “devorado prato de sopa” (pág.47), lendo um exemplar do jornal onde antigamente costumava ver publicado suas histórias, em seção que estimulava novos escritores, depara-se com um texto que lhe deixa extremamente perturbado. “A história foi um soco em seu estômago”. (pág. 48). Trata-se do relato do drama vivido pela autora, Madeleine Thorn, que tal qual Mitka, mora em uma pensão e tal qual ele, também tentava escrever um romance, nos raros momentos de folga do trabalho dela como secretária. Nesta dramática história ela relata que certa noite, em seu quarto, dando uma última revisada no seu praticamente terminado romance para que pudesse encaminhá-lo a possível publicação, adormeceu sobre as folhas, acordando já dia claro, justo a tempo de sair para o trabalho. Na pressa, simplesmente empurrou todas as folhas do livro para debaixo da cama. Ao final de mais um dia de trabalho, retornando à pensão, ela conta haver encontrado a senhoria a sua espera. Querendo fazer-lhe uma surpresa, esta havia mandado trocar o tapete, colcha e cortina do quarto da jovem, acrescentando ao feito uma caprichada faxina, na qual foi incluída a queima, acreditando tratar-se apenas de lixo, de todas as páginas encontradas sob a cama de Madeleine, pondo assim, um fim definitivo aos escritos da jovem, que como os de Mitka viraram cinzas.
Mitka, “tomando a história publicada no jornal como verdadeira, identifica-se com o desespero, a aflição e tristeza da jovem”. (pág.49). Após leve indecisão escreve à Madeleine, através do próprio jornal, solidarizando-se pela desgraça acontecida. Alguns dias depois recebe, pelo correio, um bilhete da autora agradecendo as palavras de apoio e confessando não ser a história relatada no jornal, verídica, mas incentivando a correspondência entre ambos, por sentir-se, também solitária. Ele, que já passava boa parte de seu tempo imaginando a tal jovem, mesmo um pouco decepcionado com a confissão, aceita continuar com as cartas, até que, aguçado pela curiosidade, se julgando apaixonado, com possibilidades de casamento, praticamente impõe um encontro entre ambos. Em uma biblioteca, no momento de maior tensão do Conto, ele descobre que a Madeleine idealizada por ele, é na verdade uma mulher de meia-idade, “gorducha de óculos e destituída de qualquer atrativo” (pág.55)
A mulher confessa chamar-se Olga Thorn e que Madeleine, o utilizado pseudônimo, era o nome de uma filha morta aos 20 anos de idade e a qual ela dedica todos seus escritos, tendo inclusive, sonhos de conseguir publicar um livro reunindo todas estas histórias. Apesar da raiva e decepção com a revelação, Mitka, ao final do encontro sente pena da mulher que o aconselha a não desistir de escrever, apesar da crise de criação pela qual ele passa. Eles se despedem após sugestão de Olga para que continuassem com a correspondência que tão bem fazia a ela, sugestão esta, prontamente desestimulada por Mitka.
O Conto encerra com o escritor sentindo-se, mesmo sem saber o motivo, em plena sensação de recomeço, planejando sua volta aos braços e ao relacionamento com a dona da pensão, a viúva Sra. Lutz.
B). Personagens: Os personagens são fortes e mesmo quando descritos brevemente ficam na memória.
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1. Protagonista:
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Mitka: jovem escritor, solitário, magro, depressivo, baixa auto-estima, irônico, carente, sem esperanças, sem entusiasmo, frio, sem sentimentalismos, vaidoso, oportunista.
... Conquanto não fosse dado a sentimentalismos. (Pág. 44)
...deixara de acreditar que o que escrevia pudesse significar algo importante para alguém. (pág. 44)
Triste – seu olhar triste. (Pág. 45)
Um homem como ele, hoje em dia, não necessitava de algo muito especial. (pág. 53)
...impotência e ódio de si pelo fracasso. (pág.52)
Frio e dependente dos outros. (pág.52)
... A fama era um ronronar, um grito da torcida. (pág.48)
...deixem Mitka solto e ele acaba por atrair a mãe de alguém. (pág.57)
...o que seria dele dali por diante? Para onde arrastaria o peso morto que era sua alma? (pág.58)
...Se fosse do tipo que chora teria chorado. (pág.45)
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2. Deuteragonistas:
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Sra. Lutz: mulher de meia-idade, solitária, triste, amarga, meio gorda, cabelos grisalhos, aparentemente gentil, emotiva, interessada, solícita, dona da pensão onde Mitka mora, que também se julga escritora e que nutre sentimento especial por Mitka e escritores em geral.
Mitka porque você me evita assim há tanto tempo? (Pág. 57)
... Segurando onde as gorduras escapavam do espartilho. (pág.60)
Olga Thorn: mulher de meia idade, gorda, de óculos, escritora, solitária, humilde, mãe de Madeleine Thorn e que se faz passar pela filha durante correspondência trocada com Mitka. Verdadeira autora da história que impressiona Mitka.
...viu uma senhora de meia-idade a ler, solitária. (pág55)
Gorducha, de óculos e destituída de qualquer atrativo, por menor que fosse. (pág. 55)
...eu tinha senso de humor... Amava a vida... Tinha vida ademais para meu marido. (pág.56).
A humildade dela o deixou sensibilizado. (pág.57)
Madeleine Thorn: Suposta escritora e autora da história que atrai Mitka. Personagem idealizado por Mitka como possível companheira, mas que na verdade morreu aos 20 anos.
...ele imaginou talvez 23 anos, esbelta, carnes macias, no rosto a expressão de uma pessoa sofrida e compreensiva. (pág. 48).
Pelas cartas lhe parecia sensível modesta e sincera. (pág. 48)
Ela como ele vivia numa pensão e escrevia. (pág. 48)
Tinha cabelos lindos e corpinho de ampulheta. (pág.59)
...ela morreu aos 20 anos de idade... (pág.59)
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C). Há verossimilhança no caráter dos personagens e não há clivagem quanto aos personagens ou narrador.
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D). Personagens bem estruturados, totalmente convincentes.
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E). Tempo: Há verossimilhança no tempo. “O ritmo e o tempo das narrativas são precisos”.
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Cronologia dos Eventos
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Novembro: Mitka queima seus manuscritos na lata de lixo no pátio da pensão.
... “Para ele um alívio ter deixado de receber qualquer correspondência desde quando queimara seu livro em novembro, e já era fevereiro”. (pág. 51.)
Por três meses (até fevereiro): Mitka se refugia em seu quarto. Emagrece apesar dos esforços da Sra. Lutz que o encoraja.
Em fevereiro: lê o texto no jornal Globe e escreve à Madeleine Thorn.
Alguns dias depois: recebe resposta. Inicia-se correspondência que dura um mês até o encontro.
Em março: é marcado encontro.
“... a noite de março estava ainda bastante fria, mas já se podiam notar os primeiros sinais de primavera.” (pág.53)
Toda a ação do conto se passa em quatro meses, embora também sejam feitas referências ao tempo perdido na elaboração dos romances de Mitka (três anos no primeiro, um ano nos segundo - abandonado) e um ano e meio visitando vinte possíveis editores. (cinco anos e meio ao todo).
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F). O Espaço:
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Há verossimilhança no espaço, uma vez que aquilo que é descrito, se assemelha à realidade. Existe relação estreita entre o personagem e ambiente nos dando, através do possuído, um retrato exato do possuidor.
1. Pensão da Sra. Lutz. (solidão)
2. Quarto Mitka:
“Forrado com papel amarelo com uma reprodução desbotada de Orozco, na qual se viam camponeses mexicanos curvados sob o peso do sofrimento. Na parede onde o quadro estava pendurado, acima do console, o papel já estava descascado.”
(pág.45). (Jose Clemente Orozco)
3. Pensão e quarto de Madeleine.
4. Biblioteca Pública: (livros) – Espaço onde acontece o encontro entre Mitka e a pretensa Madeleine (Olga).
“A Biblioteca era um antigo prédio com fachada de pedra. O velho assoalho rangeu sob seus pés quando ele se pôs a caminhar por entre as fileiras de estantes”. (pág. 54).
5. Bar – “paz e tranqüilidade”. Local de encontro entre a já assumida Olga e Mitka.
6. Rua – Mitka vai da pensão até a Biblioteca ao encontro da imaginada Madeleine.
6. Rua – até o terminal do ônibus onde Olga se despede de Mitka e parte para sua casa.
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G). Não verifiquei clichês narrativos.
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Os clichês narrativos que aparecem são logos desvendados pelo próprio narrador.
... E ele pensou no óbvio simbolismo da cena. (pág.44)
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H). Alegoria no texto:
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O Barril, um símbolo que não lhe havia ocorrido antes, vomitava palavras de fogo, centelhas de idéias, a tudo transformando em fumaça espessa. As folhas se tornavam rubras, depois assumiam uma cor amarela repugnante e, por fim, tornavam-se negras. Era matéria humana que ali se incinerava e ele sabia muito bem de quem. (pág.50)

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